A minha mãe queria-me menina. Estou certo disso. Não enquanto viveu que se me tivesse confessado mas adivinhei-lhe sempre pela forma como me pegava ao colo, me mantinha o cabelo e pelo enxoval que teimava em me estrear novo. Mais mês, menos coisa, comecei a ficar sofrido e reclamei calções. Olha para ti com essas pernas tão magras que parecem uns canivetes. Conheci-lhe esta forma de modular as coisas. Deixava-me desequilibrado aos bons e maus conselhos da consciência esforçando-se por os dividir a seu favor. Os canivetes e a teimosia castigaram-me em óleo fígado de bacalhau vertido numa colher de sopa diária. Em frascos verde escuro, altos, rectangulares, sem qualquer sabor disfarçado e de uma intensidade que ainda hoje trago no olfacto. Aprendi a fugir-lhes para a loja dos vizinhos recuperando-me no cheiro da infusão de ervas e na meiguice daquele bichon maltês. A sapataria onde me refugiava era logo ali a um braço esquerdo da minha porta e a paredes meias com outra do mesmo...
Todos temos memórias de caminhos. Porque a minha fica sempre perdida no tempo não me lembro do primeiro dia na escola primária