Avançar para o conteúdo principal

Museu Nacional da Resistência e Liberdade

Quando era miúdo morava ao pé de dois irmãos.

Ela, com um filho 4 anos mais velho do que eu. Ele e a companheira, sem filhos, um casal que permanecia ali por tempos muito curtos, onde regressavam amiúde trazendo-me sempre alguma guloseima que me iludia na compreensão de que viviam numa autocaravana a maior parte do tempo. Em tempos e lugares incertos.

Soube mais tarde que as viagens eram entradas e saídas na clandestinidade, que associei, mais tarde ainda, aos panfletos que apareciam esporadicamente em cima da mesa da cozinha que desapareciam assim que eu chegava.

Se alguma vez foram presos políticos, não o soube. Frequentei aquela casa vezes sem conta onde nunca se discutia política ou religião mesmo depois dos clandestinos passarem a habitar uma casa presa ao chão.

Ateus convictos e comunistas por simpatia, vivo com a certeza que defendiam apenas o pensamento livre, voasse ele depois para onde quisesse.

Lembrei-me deles hoje quando visitei o Museu Nacional de Resistência e Liberdade no Forte de Peniche. Pensar neles foi a forma de os homenagear e de lhes agradecer. Estar ali, sentir que todos aqueles homens e mulheres, independentemente dos ideais porque lutavam, unia-os a coragem na luta pela liberdade.

É pena que não tenhamos conseguido passar este tipo de coragem histórica que não se pode confundir com o dizermos ou fazermos o que nos apetece, hoje.

Coragem não é o mesmo que atrevimento.











Comentários

Mensagens populares deste blogue

Comparações

Sempre que vou a casa do meu pai entro pela garagem e faço-me anunciar pelo toque da campainha como qualquer visita. Tomei este hábito desde que a minha mãe morreu. Atravesso o que foi outrora o quarto onde nasci, e o sol da manhã descobre-me projectando a minha sombra onde durante toda a infância esteve a cama dos meus pais. Calculo que seja pelas boas memórias que se tornou hábito. Passo pelo espaço estreito entre a parede e o carro e pergunto-me: terá toda a minha vida sido condicionada por este retângulo exíguo? Nasci num bairro onde só havia rapazes. Fomos os irmãos mais velhos uns dos outros. As mães eram todas domésticas e pareciam não se preocupar com as nossas ausências. Também nunca nos queixávamos delas, como se as suas vidas não tivessem importância nenhuma para nós. Ontem ouvi dizer de alguém novo de idade: - se os meus pais tivessem insistido mais comigo ou me tivessem obrigado a estudar ou a fazer algumas coisas que eu não queria, talvez a minha vida fosse diferente para...

Nomes com duplo apelido

Não tenho memória autobiográfica anterior ao dia em que a minha mãe me levou pela mão à entrada do colégio para aprender as letras. Foi ali que convivi com a tradição secular de um recreio apenas para os rapazes, coisa que não estranhei porque nas brincadeiras da minha rua também não havia raparigas. O Damião de Góis em Alenquer era dirigido pelo Padre Zé, de quem me lembro simples num diminutivo que contrastava com a sua presença alta, de carácter pragmático, cuja bondade divina não se fazia sentir fora das aulas de religião e moral. Tive duas professoras no ensino primário. Talvez por ter sido a primeira, recordo a Maria Francisca com mais carinho do que a Maria Irene. Devo ter sido, nem sempre, um miúdo bem comportado porque não me tenho presente na ponta da cana da índia que repousava entre o quadro preto e os mapas do Portugal Administrativo, Insular e Ultramarino, mas lembro-me das vezes que tive dificuldade em subir para o estrado onde uma régua cega descia na palma da minha mão...

Voz e Dois Pianos

A idade trouxe-me pieguice emocionada. Apercebi-me disso quando a visão se me turvou por diversas vezes. A última vez que estive perto do Vitorino foi numa longínqua Festa do Avante. Sempre de boina preta, ontem de óculos escuros, vestia um casaco e umas calças do mesmo preto num desuso a que me habituei mas que aceitei por já não se fazerem cantadores assim. Os contadores de historias comuns estão a desaparecer porque nunca renunciaram à simplicidade. Mas também " porque já não há encontros como aqueles do café Expresso, que mais parecia uma carruagem de comboio porque tinha um balcão corrido, onde (ele) se sentava com o Herberto Hélder e outra gente que também não tinha importância nenhuma porque na verdade o que era importante foram as palavras que ficaram. Ou a do tocador de concertina do Redondo que tocava sempre com uma fotografia da namorada na parte detrás do instrumento e que, só por isso, merecia ser cantado ". Se há coisas que lamento na minha vida foi não ter vivi...