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Museu Nacional da Resistência e Liberdade

Quando era miúdo morava ao pé de dois irmãos.

Ela, com um filho 4 anos mais velho do que eu. Ele e a companheira, sem filhos, um casal que permanecia ali por tempos muito curtos, onde regressavam amiúde trazendo-me sempre alguma guloseima que me iludia na compreensão de que viviam numa autocaravana a maior parte do tempo. Em tempos e lugares incertos.

Soube mais tarde que as viagens eram entradas e saídas na clandestinidade, que associei, mais tarde ainda, aos panfletos que apareciam esporadicamente em cima da mesa da cozinha que desapareciam assim que eu chegava.

Se alguma vez foram presos políticos, não o soube. Frequentei aquela casa vezes sem conta onde nunca se discutia política ou religião mesmo depois dos clandestinos passarem a habitar uma casa presa ao chão.

Ateus convictos e comunistas por simpatia, vivo com a certeza que defendiam apenas o pensamento livre, voasse ele depois para onde quisesse.

Lembrei-me deles hoje quando visitei o Museu Nacional de Resistência e Liberdade no Forte de Peniche. Pensar neles foi a forma de os homenagear e de lhes agradecer. Estar ali, sentir que todos aqueles homens e mulheres, independentemente dos ideais porque lutavam, unia-os a coragem na luta pela liberdade.

É pena que não tenhamos conseguido passar este tipo de coragem histórica que não se pode confundir com o dizermos ou fazermos o que nos apetece, hoje.

Coragem não é o mesmo que atrevimento.











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