Sempre que vou a casa do meu pai entro pela garagem e faço-me anunciar pelo toque da campainha como qualquer visita. Tomei este hábito desde que a minha mãe morreu.
Atravesso o que foi outrora o quarto onde nasci, e o sol da manhã descobre-me projectando a minha sombra onde durante toda a infância esteve a cama dos meus pais. Calculo que seja pelas boas memórias que se tornou hábito. Passo pelo espaço estreito entre a parede e o carro e pergunto-me: terá toda a minha vida sido condicionada por este retângulo exíguo?
Nasci num bairro onde só havia rapazes. Fomos os irmãos mais velhos uns dos outros. As mães eram todas domésticas e pareciam não se preocupar com as nossas ausências. Também nunca nos queixávamos delas, como se as suas vidas não tivessem importância nenhuma para nós.
Ontem ouvi dizer de alguém novo de idade: - se os meus pais tivessem insistido mais comigo ou me tivessem obrigado a estudar ou a fazer algumas coisas que eu não queria, talvez a minha vida fosse diferente para melhor. Não me lembro em alguma altura de me ter escondido assim. Nem de nenhuma outra coisa que os meus pais tivessem insistido comigo para além de comer, estudar e parar em casa. Recordo-me que a isso a minha mãe juntava o argumento da comparação com alguém. Algumas vezes cedi e cheguei a experimentar essa alusão ao perfeito, mas nunca me dei bem. O que me ficou foi uma repulsa enorme às comparações.
As fotografias que junto mostram dois traços culturais comuns, as videiras ancestrais e os canteiros de flores, ambas decorações exteriores que servem de cartão de visita a quem por lá passa.
Estes dois lugares distam apenas 16 km um do outro mas, sem os sabermos, identificamos facilmente a do lado espanhol e a do lado português. Não servem de comparação. Mas, o que temos marcado na vivência colectiva que não nos deixa indecisos na escolha do lado? Podemos fazer a atribuição às desastrosas decisões políticas centralizadas, à falta de valores das elites ou até no que nos ficou marcado de 50 anos de ditadura.
Mas pior do que isso é escondermo-nos atrás das maravilhas de Portugal quando apenas se trata de pobreza, de desigualdade social e desinvestimento num interior cada vez mais abandonado.
Perguntava-me a D. Maria, de 83 anos de idade, se éramos de Lisboa como se isso fosse importante para uma senhora que apenas tinha saído daquele lugar umas duas ou três vezes para visitar Bragança a 20 km de distância.
- Isto aqui é muito bonito. O ar é muito puro. Disse-me.
Acho que somos mesmo condicionados pela geografia deste rectângulo exíguo. Se não fosse isso talvez a nossa vida fosse diferente para melhor.
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