A idade trouxe-me pieguice emocionada. Apercebi-me disso quando a visão se me turvou por diversas vezes. A última vez que estive perto do Vitorino foi numa longínqua Festa do Avante. Sempre de boina preta, ontem de óculos escuros, vestia um casaco e umas calças do mesmo preto num desuso a que me habituei mas que aceitei por já não se fazerem cantadores assim.
Os contadores de historias comuns estão a desaparecer porque nunca renunciaram à simplicidade. Mas também "porque já não há encontros como aqueles do café Expresso, que mais parecia uma carruagem de comboio porque tinha um balcão corrido, onde (ele) se sentava com o Herberto Hélder e outra gente que também não tinha importância nenhuma porque na verdade o que era importante foram as palavras que ficaram. Ou a do tocador de concertina do Redondo que tocava sempre com uma fotografia da namorada na parte detrás do instrumento e que, só por isso, merecia ser cantado".
Se há coisas que lamento na minha vida foi não ter vivido por dentro um acontecimento transformador. Ontem senti-me de esquerda novamente. Naquela esquerda, que nas notas altas, é cantada de braços abertos para caberem todos por igual. Na que tem "memória do Zeca que partilhava tudo o que sabia com os amigos e que tinha de ser ali homenageado porque, pessoas como ele, são cada vez mais esquecidos apenas porque não gostamos de nós próprios".
A imagem que me ficou de ontem foi a de uma saudade, acompanhada por dois soberbos pianistas que, entre musicas, se dividia entre o copo de vinho e o de água, entre a memória e o presente.
Se a morte me tivesse vindo ali teria morrido feliz.
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