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Um dia hei-de levar-te comigo


Hoje lembrei-me da minha mãe e os meus olhos humedeceram-se mais uma vez.

Que conexão vertical é esta? Que 28 anos depois da sua morte ainda subsiste? Gostava que existisses na minha felicidade. O amor de filho é assim, tardio. Fica sempre para mostrar mais tarde. É um estado de desejos inacabados: "Quando trabalhar hei-de ganhar dinheiro para te comprar aquilo que mais gostas", "hei-de levar-te àquele sítio que nunca foste". 

É um amor que nasce inconsciente, que se forma do confronto com a realidade e nunca se deixa de sentir com a ausência. É o amor do instinto da sobrevivência, da promessa incumprida. Com a certeza que nunca caímos sozinhos. 

As recordações que lhe fiquei foram do frio da sua cara nos meus lábios no dia em que morreu. E do último abraço que lhe dei. O primeiro e único da minha vida sem resposta.
Depois daquele momento, fui aprendendo os defeitos que não me tinham sido permitidos conhecer-lhe.
A genética, tal como os anuários, são ciências exactas mas não explicam que os vazios não são todos iguais e que há amores que nunca morrem.




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